por Eduardo T. Ochiai |
O ano de 2021 mal começou e o ajuste fiscal do Governo do Estado de São Paulo ocasionado pelo encerramento de incentivos fiscais e revisão das alíquotas do ICMS para diversos setores da economia, atingiu principalmente a área de saúde, no que se refere à cadeia de abastecimento de medicamentos, equipamentos e materiais médico-hospitalares nas operações com destino a hospitais particulares e demais entidades privadas, em vigor desde 1º de janeiro de 2021.
Isto porque, no final de 2020, os Decretos n.º 65.254 e n.º 65.255, ambos de 15 de outubro de 2020, excluíram do Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo as isenções anteriormente outorgadas com base nos Convênios ICMS n.º 10, de 21 de março de 2002, n.º 73, de 03 de maio de 2010, n.º 162, de 07 de dezembro de 1994, n.º 01, de 02 de março de 1999 e n.º 140, de 19 de dezembro de 2001, que tratam de operações de aquisição de medicamentos para tratamento do vírus da AIDS, do vírus da gripe A, de câncer, de insumos e equipamentos para uso em cirurgias e de medicamentos diversos, no caso das operações destinadas a entidades que não sejam aquelas caracterizadas como hospitais públicos ou santas casas, tais como hospitais particulares, clínicas, laboratórios e demais estabelecimentos prestadores de serviços de saúde.
A justificativa do Governo do Estado de São Paulo é que o fim da isenção se justifica em razão de medidas objetivando o saneamento das contas públicas, por meio da edição da Lei Estadual n.º 17.293, de 15 de outubro de 2020, especificamente em seu artigo 22:
Artigo 22 – Fica o Poder Executivo autorizado a:
I – renovar os benefícios fiscais que estejam em vigor na data da publicação desta lei, desde que previstos na legislação orçamentária e atendidos os pressupostos da Lei Complementar federal nº 101, de 4 de maio de 2000;
II – reduzir os benefícios fiscais e financeiros-fiscais relacionados ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na forma do Convênio nº 42, de 3 de maio de 2016, do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, e alterações posteriores.
§ 1º – Para efeito desta lei, equipara-se a benefício fiscal a alíquota fixada em patamar inferior a 18% (dezoito por cento).
O referido artigo 22 da Lei Estadual n.º 17.293/20, em seu inciso II, autorizou o Poder Executivo a reduzir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS “na forma do Convênio n. 42, de 3 de maio de 2016, do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, e alterações posteriores”. Significa dizer que nos termos do Convênio 42/2016, os Estados poderiam reduzir os percentuais relativos a benefícios ou incentivos fiscais.
Não obstante, a extinção da isenção do ICMS-SP através dos Decretos nº 65.254/20 e nº 65.255/20 caracteriza, na prática, revogação dos incentivos, e não redução destes, ocasionando uma enorme oneração tributária desses produtos, em clara ofensa ao quanto disposto no Convênio ICMS n.º 42/16 e, consequentemente, ao artigo 22, II, da Lei Estadual n.º 17.293/20.
Por outro lado, o Governo do Estado de São Paulo não poderia, através dos respectivos Decretos, revogar as isenções aqui em comento uma vez que a forma pela qual se dá a revogação dos incentivos fiscais, conforme determina o artigo 155, §2º, XII, “g”, da Constituição Federal, é através de lei complementar.
Em consonância com o referido dispositivo constitucional, coube à Lei Complementar n.º 24, de 07 de janeiro de 1975, ao dispor sobre a obrigatoriedade dos Convênios para a concessão de isenções do ICMS, determinar que a revogação total ou parcial de incentivos fiscais “dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes [dos Estados e do Distrito Federal] presentes”.
Ou seja, o fim das isenções do ICMS-SP para os medicamentos aqui relatados pelos Decretos n.º 65.254/20 e n.º 65.255/20, também violou dispositivo da Constituição Federal e da Lei Complementar n.º 24/1975, pois a revogação da isenção foi mediante decreto e de forma unilateral.
Em contraposição, ainda que a malfadada revogação pudesse ser concretizada por ato unilateral, ao menos, deveria ter ocorrido por meio de lei, sob pena de ofensa aos artigos 150, I, 6º, da Constituição Federal, bem como aos artigos 97 e 111 do Código Tributário Nacional.
Além disso, também é possível constatar outras violações na constituição, tal como à isonomia tributária, conforme disposto no artigo 150, II e 152, ambos da Constituição Federal, uma vez que a isenção permaneceu para os hospitais públicos e santas casas. Aliás, importante lembrar que as santas casas são pessoas jurídicas de direito privado e não público.
Importante destacar, também, que a revogação da isenção do ICMS-SP sobre os medicamentos impactará significativamente o setor da saúde, tanto para os prestadores de serviço, quanto para os planos de saúde, empresas e pacientes, pois certamente haverá o repasse deste aumento do custo do ICMS, principalmente para o consumidor final.
Não é à toa que este tema já se encontra no STF – ADI 6.656, com o Ministro Nunes Marques, para a análise da ação direta de inconstitucionalidade dos Decretos n.º 65.254/20 e n.º 65.255/20, a qual aguarda julgamento.
Enquanto isso, diante das diversas liminares concedidas em 1ª instância de forma favorável aos contribuintes, a Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu recentemente, suspender todas as liminares que mantinham os benefícios fiscais anteriormente revogados por estes decretos, sob a justificativa da “alta potencialidade lesiva à economia pública” que as liminares em primeira instância poderiam gerar às contas públicas estaduais (processo nº 2004492-69.2021.8.26.0000).
Apesar disso, é certo que as empresas atingidas pela revogação da isenção do ICMS-SP sobre os medicamentos pelos Decretos n.º 65.254/20 e n.º 65.255/20, possuem robustos fundamentos jurídicos para buscarem provimento jurisdicional que resguardem a manutenção da isenção do ICMS-SP ou até mesmo a restituição do tributo recolhido indevidamente.
Eduardo T. Ochiai é advogado, sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA), especialista em Direito Tributário.