Depois de profundos debates, finalmente foi aprovada a Lei 14.193, que dispõe sobre Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), possibilitando novos caminhos para o mercado da bola no Brasil.
Hoje, os clubes nacionais ainda se organizam, em maioria, como associação civil sem fins lucrativos. Apesar de o modelo empresarial não fosse impedido aos clubes, o regime jurídico disponível era pouco amizade, incluindo os termos fiscais.
O modelo associativo atrasou o desenvolvimento e profissionalização do futebol brasileiro, levando em conta que a realidade dos países economicamente mais desenvolvidos vem sendo marcado por um grande investimento de capitais privados no esporte e entretenimento.
A legislação aprovada abre o mercado novos meios para atrair investidores e, com o novo marco legal, é esperado um movimento de migração para o formato SAF.
Vale destacar que os passivos anteriores dos clubes foram objeto de regulação especial pela nova Lei, que estabeleceu recursos nivelados que permite que a quitação seja realizada de maneira centralizada e com liberdade para negociar descontos, promovendo a continuidade da operação.
A nova Lei despertou o interesse no mercado e levou clubes tradicionais, como Botafogo e Cruzeiro, a começarem o processo de migração para o modelo da SAF. Além destes, muitas outras instituições estão estudando e avaliando a implementação do modelo societário.
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Tributação das SAF
Nesse cenário, é importante considerar a tributação das SAF nessa primeira etapa de implementação do modelo.
O primeiro ponto a ser frisado é que a Lei das SAF estabeleceu um modo de recolhimento unificado de tributos federais. Segundo o art. 31 da referida Lei, os clubes podem escolher pelo Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), que possibilita o pagamento unificado de IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e contribuição previdenciária das empresas.
A Lei excepciona do regime unificado o IR sobre aplicações financeiras e ganhos de capital (ativo imobilizado), o FGTS, entre outras exações e contribuições expressamente elencadas no art. 31 e seus parágrafos.
A alíquota para o recolhimento unificado será de 5% sobre as receitas mensais ganhas (art. 32), nos primeiros cinco anos de existência das SAF. Passado esse período, a alíquota será reduzida para 4%.
No entanto, existe uma diferença considerável, nos primeiros cinco anos não ocorrerá tributação sobre as receitas oriundos da cessão dos direitos desportivos dos atletas. Essa circunstância é alterada a partir do inicio do sexto ano, quando as receitas dessa natureza passam a compor a base de cálculo do TEF (art. 32, § 2º).
Além disso, é importante ressaltar que o TEF não engloba tributos devidos a outros entes da federação, como por exemplos estados e municípios. É conveniente estudar como exações estabelecidas por outros entes federados poderão afetar as atividades da SAF especialmente considerada, visto que essas sociedades podem cogitar comercializar mercadorias, prestar serviços, por exemplo, dessa forma, tornando-se sujeitos passivos de ICMS e ISS, por exemplo.
O atual regime das associações estão isentos de tributos federais, exceto pontuais situações. Sistematicamente, tem gerado inadimplências referentes as suas obrigações fiscais de retenção na fonte de tributos e contribuições incidentes sobre a folha de pagamento, o que gerou consideráveis passivos fiscais. O modelo fiscal previsto na nova Lei das SAF, se opõe. O novo regime proporcionará aumento da arrecadação tributária em comparação ao cenário atual, em decorrência do incremento das receitas do futebol e a profissionalização e responsabilização da gestão da SAF.
Há um outro aspecto relevante da Lei das SAF, no art. 3°, os clubes podem complementar o capital social das sociedades por meio da “transferência à companhia de seus ativos, tais como, mas não exclusivamente, nome, marca, dísticos, símbolos, propriedades, patrimônio, ativos imobilizados e mobilizados, inclusive registros, licenças, direitos desportivos sobre atletas e sua repercussão econômica”, ou seja, através do chamado “drop down”.
Os clubes devem pensar sobre qual a melhor estrutura para a constituir a SAF (art. 2°) e a integralização do seu capital, e levando em consideração, inclusive, particularidades contábeis, como a eventual não contabilização de ativos e/ou o seu registro por valor histórico.
Mais um ponto importante de alerta é a eventual integralização de bens imóveis ao capital das SAF, que deverá ser, em geral, desonerada do ITBI, em virtude da imunidade constitucional (art. 156, parágrafo segundo inciso I, da CF/88).
Sobre a responsabilidade tributária da SAF, destaca-se o art. 9° da Lei, que determina que a nova sociedade “não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, e responde pelas obrigações que lhe forem transferidas (…)” (art. 9º).
Conforme o microssistema jurídico, instituído pela Lei das SAF, aparentemente a regra em questão tem como objetivo de entravar a transferência do passivo dos clubes à SAF, também na natureza fiscal.
Esse pensamento se confirma pelo art. 12, que proíbe “qualquer forma de constrição ao patrimônio ou às receitas, por penhora ou ordem de bloqueio de valores de qualquer natureza ou espécie sobre as suas receitas, com relação às obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol”. Mesmo assim, é aconselhável que haja uma reflexão sobre o melhor modelo para a criação da SAF, para reduzir controvérsias em torno da incidência das normais gerais de responsabilidade contidas no Código Tributário Nacional (CTN).
Vale mencionar, ainda sobre os passivos tributários do clube, que a nova Lei prevê expressamente a possibilidade de transação tributária, desde que as dívidas em questão não tenham sido incluídas em programas federais de financiamento (art. 33). Os benefícios que serão efetivamente adquiridos pelos clubes, não estão totalmente claros. Mas, a previsão dessa possibilidade viabiliza dialogo com a União Federal.
Por fim, o destaque vai para o art. 10 da Lei, que prevê a destinação obrigatória de (i) 20% das receitas da SAF (inciso I) e de (ii) 50% dos lucros ou dividendos dos próprios clubes para o pagamento dos passivos do clube (inciso II). A nova legislação implementou um modelo societário virtuoso, que poderá propiciar saneamento financeiro dos clubes de futebol, trazendo importantes benefícios para o mercado e para a sociedade, inclusive sob a ótica tributária.
Fonte: JOTA